Vamos à bola com a amizade
Quem nos acompanha com maior ou menor regularidade, já terá percebido que nunca aqui falámos de futebol, o que, sendo esta uma plataforma assumidamente masculina, não deixa de ser estranho. Hoje vamos quebrar essa regra. É pontapé para a frente, meus senhores.
Uma leitura rápida pelas nossas biografias permite perceber que somos adeptos de clubes rivais. Da maior rivalidade que pode haver entre dois clubes. Isso é o que nos separa. O que nos une é o facto de gostarmos, e muito, de futebol. E ambos gostamos, e muito, dos nossos clubes. Daí que seja difícil – muito difícil – falar de futebol de forma desapaixonada, sem nos deixarmos levar pela emoção de acharmos que o nosso clube joga sempre melhor, merece sempre ganhar, e que é frequentemente prejudicado pelas arbitragens.
Numa altura em que futebol português atravessa uma fase (demasiado) conturbada, não nos tem apetecido abrir esta caixa de pandora, que mexe tanto com o que há de mais primário em cada um de nós. Não tanto por nós os dois, já que somos amigos e, por isso, habituámo-nos a respeitar a opinião um do outro, mas por querermos evitar “bate-bocas” inúteis. Discussões que, como se sabe, nas redes sociais atingem proporções perfeitamente ridículas.
Mas decidimos abrir uma excepção, até porque não nos parece fazer sentido evitarmos um assunto que nos é tão grato e próximo.
Sim, o Filipe é do Benfica e eu sou do Sporting. Sim, ambos queremos que o nosso clube vença todos os jogos. E, convenhamos, não há jogo mais importante e emotivo do que um derby lisboeta!
E ontem, o clássico dos clássicos foi visto lado a lado, cada um com as suas cores. Calhou-me a mim visitar a casa do rival, mas em nenhum momento senti que estivesse em território “inimigo”. Claro que estava num camarote, num ambiente perfeitamente controlado, onde a cordialidade impera. Mas também fiz por isso. Quando se visita a casa de alguém, temos de saber comportar-nos. Só não levei umas bebidas (como costumo fazer sempre que vou jantar a casa de amigos) porque tendo em conta que íamos para o camarote da Sagres, imaginei que bebida não ia faltar – e, de facto, não faltou. Além de que talvez não me deixassem entrar com garrafas debaixo do braço.
Uma vez no camarote acabei por encontrar dois amigos de outras lides, também eles benfiquistas, e uma vez mais fui muito bem recebido, apesar do meu cachecol não me permitir esconder ao que ia. Sim, eu queria sair da Luz com os três pontos.
Com muitas piadas e bocas saudáveis à mistura, foi tudo muito cordial. Eventualmente terei recebido uns olhares de soslaio, mas nada de mais.
Começado o jogo, é ver os nervos a soltarem-se. Em Alvalade sou muito expansivo e raramente me contenho. E, confesso, que só pensava no que iria fazer caso o Sporting marcasse um golo. Para começar, optei por ver o jogo de braços cruzados. Não queria que os nervos me traíssem, levando-me a gesticular mais do que a conta. O respeito (e a educação) por estar na casa do rival “obrigou-me” a isso.
Interessante foi verificar que não somos assim tão diferentes. Diria, aliás, que somos até bastante parecidos. Gritamos, enervamo-nos, duvidamos do árbitro e dos jogadores da nossa equipa, diria que de uma forma muito similar. Pode haver ligeiras variações no vernáculo utilizado, mas tudo o resto é muito parecido.
Claro que fui escutando muitas coisas com que não concordava, mas o máximo que fiz foi abanar a cabeça. Até ao golo do Sporting. Aí não consegui manter a pose de estado. Mas calma, o máximo que fiz foi cerrar o punho e gritar um “golo!” entredentes. Sorri e dei um aperto de mão (vejam a cordialidade) à mulher do Filipe (ele já vos disse que casou com uma sportinguista?). Confesso que não fui capaz de olhar para ele. Não quis que achasse que estaria a gozar ou a vangloriar-me. Nestas coisas do futebol (e sobretudo da solidariedade masculina) o respeito é muito bonito.
O resto do jogo foi vivido intensamente de parte a parte. Não vou entrar em pormenores técnico-tácticos e muito menos em discussões relacionadas com critérios de arbitragem. Deixo isso para os comentadores "certificados" que inundam os programas de televisão.
Digo apenas que fomos trocando umas palavras, eu e o Filipe, mas também eu e outros benfiquistas presentes, muitas delas com opiniões contrárias, mas sempre com educação e respeito que não podem/deviam faltar no desporto em geral e no futebol muito em particular.
Não vou dizer que o futebol é apenas um jogo. Não é. É muito mais do que isso. É paixão, irracionalidade, alegria descontrolada e tristeza contida. O que não deve ser nunca é uma espécie de cegueira absurda que transforma rivais em inimigos. Até porque muitos desses “inimigos” são os nossos amigos de infância, os nossos pais, as nossas mulheres e os nossos filhos. O que, convenhamos, torna muito difícil todo esse processo de odiá-los.
Vá, sejamos amigos e que no final seja sempre assim: ninguém perde e ganhamos todos.