Uma epifania sobre gelo, dores e estados de alma
Se leram a minha crónica de há uma semana, já perceberam que fiz asneira. Uma “brincadeira” que resultou numa ruptura de ligamentos que obriga ao uso de muletas. Enfim, coisas que acontecem, e aqui no LIAM, pelos vistos acontecem a dobrar, por razões diferentes.
No meu caso, acontece por força de uma forma de estar que me deixou a pensar. Sim, sou capaz de ter tido uma epifania. Ora leiam.
Ao contrário do que a grande maioria das mulheres pensa (e fazem questão de dizer), nem todos os homens são uns “maricas” quando estão doentes (ou em vias de). Neste caso, torci um pé e fui correr 10 quilómetros. Não parei para perceber a gravidade da lesão e agir em conformidade.
O que me levou a pensar na quantidade de vezes que fazemos o mesmo, mas com outro tipo de “lesões”. Quantas vezes não sofremos um golpe que nos abala o espírito e não paramos para avaliar os estragos? Seja o despedimento do nosso emprego de sonho, seja um desgosto amoroso, ou até a morte de alguém próximo, a verdade é que nos habituámos a passar por cima dos sentimentos menos bons como quem vai trabalhar com uma enxaqueca.
E da mesma forma que uma “simples” lesão num tendão, por exemplo, pode calcificar com o passar dos anos e tornar-se algo mais grave e permanente, também as dores emocionais vão deixando as suas marcas, pesando na “mochila” que trazemos nas costas.
Parar para “pôr gelo” será sempre uma boa solução. Reconhecer que não estamos tão bem e procurar ajuda. Dos amigos, da família ou até de um profissional. Sejamos homens ou mulheres, de ferro não somos com certeza. E por muito que a sociedade actual pareça insensível, e muitas vezes intolerante, à vulnerabilidade - apenas natural - do ser humano, cabe-nos a nós reclamar esse espaço, assumindo a necessidade de parar e respirar fundo.
Se estamos numa era em que ser fit é essencial, e todos corremos para os ginásios para trabalhar os bíceps, os peitorais ou os glúteos, falta-nos talvez um ginásio para a alma, onde possamos cuidar daquilo que realmente faz de nós seres humanos equilibrados e saudáveis.
Uns descobrem esse equilíbrio no yoga, outros na meditação, no mindfulness, na família, ou em sessões de terapia. O que importa será perceber o que resulta para cada um de nós. Não assumir a necessidade de parar será o pior que podemos fazer, diria. Isto dito por alguém que correu 10 quilómetros depois de ter torcido o pé, não deixa de ser irónico. Mas não deixa, também, de ser verdade.
Fica a dica, mesmo a tempo de ir ali fazer mais uma sessão de gelo, por agora no tornozelo. O resto está bem e recomenda-se.