Um nó na garganta (a relação de um homem com as gravatas).
Ontem fomos conhecer uma marca portuguesa de gravatas, a Comodoro, sobre a qual vos iremos falar um pouco melhor num outro post. Foi uma conversa muito interessante, durante a qual, mas sobretudo depois, dei por mim a pensar sobre a minha relação com as gravatas.Tendo feito toda a minha carreira profissional na indústria criativa nunca tive necessidade de usar gravata no dia a dia, pelo que acabei a mergulhar – de novo – no meu arquivo de memórias afectivas.
Se as miúdas são fascinadas com a maquilhagem, os vestidos e os saltos altos das mães, há duas coisas com as quais os rapazes têm um particular fascínio quando olham (idolatram, é o termo) para o pai (ou figura paternal, para sermos mais inclusivos): o acto de desfazer a barba e as gravatas. Podem haver outras, como os cigarros, charutos ou cachimbos, caso os pais sejam fumadores, ou os relógios, os carros e até as motas, se os pais forem apreciadores, mas estas duas são quase transversais a todos nós, homens de hoje e crianças de então.Todos queríamos desfazer a barba como os nossos pais, e quase todos eles fingiram que nos deixavam fazê-lo, primeiro colocando uma quantidade absurda de espuma na nossa cara e depois passando a “gillete” (sem lâmina ou com o lado cego da mesma, só para acharmos que estávamos de facto a fazer aquilo).E as gravatas eram aquele acessório que indiscutivelmente associávamos ao nosso pai e, claro, ao trabalho. À ausência diária que resultava num regresso ao final do dia para um abraço e a brincadeira possível. Havia muitas lá por casa e hoje, olhando para trás, percebo que é, de facto, um dos grandes símbolos da masculinidade. Não porque faça de nós mais ou menos homens, mas por essa relação sempre tão familiar entre o objecto e a dimensão masculina no universo familiar. Será, se quiserem, um laço afectivo que une gerações de homens e pode até passar de geração em geração. Aquele momento pai-filho em que o primeiro ensina o segundo a dar o nó na gravata, parecendo cena de filme, é bem real e deixa uma marca indelével na nossa memória afectiva. Aquele nó fica para sempre na nossa garganta e, com sorte, vamos partilhá-lo com os nossos filhos e eles com os seus filhos.Apesar de nunca as ter usado, guardo religiosamente duas ou três gravatas das muitas de que o meu pai se quis desfazer quando se reformou, numa lógica de libertação das obrigações laborais. São "apenas" gravatas, mas serão sempre uma recordação de um tempo que não volta e de uma memória que não me deixará nunca. Mais do que um símbolo de bom gosto, de status ou de afirmação, é esse o poder de uma gravata.