O último dos moicanos (uma reflexão sobre a vida, os amigos e as novas prioridades)
Perdoem-me a referência cinematográfica (sobretudo para o mais novos, que não fazem ideia do que se trata), mas lembrei-me deste título ao reflectir sobre as amizades. Mais concretamente sobre a forma como as coisas mudam com o passar dos anos, e na forma como, quase sem darmos por isso, acabamos a sentir-nos como o último exemplar de uma espécie que em tempos já foi bastante popular: a dos solteiros “despreocupados”.
Não foi há tantos anos assim que a praia era o ponto de encontro de amigos, onde todos acorriam com maior ou menor dificuldade, em resultado dos excessos da noite anterior. E não me refiro aos dias de praia enquanto adolescente – esses sim, já foram há uns bons anos –, mas aos fins de semana de adultos na casa dos trinta anos, alguns com relações, outros já casados e muitos solteiros. Ponto comum: zero filhos.
Sim, eram tempos diferentes. Tempos em que sabíamos que os fins de semana de verão eram passados de papo para o ar, na praia, onde a conversa corria sem filtros. Com uma vantagem extra: era um grupo que aumentava de semana para semana, já que uns traziam os amigos e estes traziam outros amigos. O ponto de encontro, esse, não mudava.
Mas o que mudou, então? A vida, diria. Com os casamentos (e uniões de facto) chegam os filhos, e com estes chegam os horários. Horários para comer, para dormir, para apanhar sol. Resultado: uma grupeta que dantes se juntava na praia sem outra preocupação que não fosse a de “onde é que vamos petiscar a seguir”, é agora confrontada com a desistência de alguns dos seus membros mais ilustres.
“Valores mais altos se levantam”, dirão alguns. “Em breve estaremos juntos de novo”, arriscam outros. Mas a verdade é mesmo essa: as coisas mudam. Mudam as prioridades, mudam os estilos de vida, muda a disponibilidade. E se as amizades ficam para vida, há sempre alguma coisa que fica pelo caminho.
Claro que para quem tem filhos, no deve e haver desta matemática, o saldo será sempre positivo, mas haverá sempre lugar para um sentimento de nostalgia de um tempo que sabemos não voltar mais. Virão outros, com certeza. Tempo das famílias juntas na praia, entre castelos de areia pela manhã, bolas de Berlim a meio da tarde e fraldas para trocar ao longo do dia.
Um tempo, este, a que o solteiro e sem filhos, terá forçosamente de se adaptar.
Ou não fosse ele... o último dos moicanos.