Fomos falar com Joaquim Horta, um dos homens por trás do Lisbon Motorcycle Film Fest. Sim, é mais uma Conversa de Homens.
Estivemos à conversa com Joaquim Horta. Actor, motard e co-organizador do Lisbon Motorcycle Film Fest, o Festival de Cinema que arranca esta sexta-feira no São Jorge, em Lisboa. Foi precisamente aí que nos encontramos para mais uma Conversa de Homens, bem interessante, de resto.
Falámos do Festival, do gosto por motas e de um outro projecto do actor, também ligado ao universo das duas rodas. “Estrada Fora” é um webdocumentário produzido em parceria com a Bridgestone, que tem mostrado as melhores estradas do país para circular de mota. Em resumo: há aqui muito para ler, meus senhores.
LiAM - Joaquim, conta-nos como é que começou esta tua relação com as motas.
JH - Não tinha relação nenhuma, até que um dia tive de fazer um trabalho como actor em que tinha de andar de mota. Tinha ainda algum tempo, então pus-me a tirar a carta - isto há 10 anos - e quando tive de filmar, ainda não tinha carta, mas já tinha feito umas aulas. E a coisa deu para safar.
Mas estava convencido que ia tirar a carta só para quando fosse preciso saber e tal, mas não foi bem assim. Ficou essa vontade e essa paixão.
LiAM - E compraste logo uma mota?
JH - Comprei logo uma uma mota. Acabei de tirar a carta e passado um mês comprei logo uma mota.
LiAM - Mota “a sério” ou começaste pelas scooters e foste por aí fora?
JH - Não comprei logo uma mota. A minha primeira mota foi uma Yamaha FZ6.
LiAM - E o que mais te atrai nesta coisa das motas?
JH - São várias coisas. Aquilo que me fascinou mais no início foi a forma como tu acabas por conduzir, que não é uma atitude tão passiva como tens num carro. Num carro só numa condução muito empenhada é que, efectivamente, é exigente. Na mota não, podes ir muito descontraído, mas há sempre uma relação tua... conduzes muito a mota com o teu corpo. A forma como te equilibras e posicionas, e como distribuis o teu peso para conduzir a mota. E isso foi logo uma coisa que, à partida, me agradou porque é a aquela frase que toda a gente diz “sentes-te mais vivo”. E é isso. Tens uma ligação física com o veículo. E depois o facto de estares muito mais exposto ao meio. Os cheiros, a temperatura, tudo. Estás muito mais em contacto com o que te rodeia.
E depois há ainda o facto de ires sempre evoluindo... eu andava muito mal de mota quando tirei a carta e agora ando ligeiramente melhor!
LiAM - Andas de mota todos os dias?
JH - Quando chove evito. Por uma questão de desconforto. E um pouco a preguiça de vestir o fato. Confesso que nesses dias vou de carro.
LiAM - E tens algum estilo de mota preferido?
JH - Não tenho. Não sou.. Não sei andar fora de estrada. É uma coisa que ainda não resolvi. Ainda há-de vir! Mas gosto de todos os estilos. Acabei de trocar por uma Africa Twin das novas. É uma coisa diferente, completamente diferente, ainda estou a habituar-me à nova lógica. Mas satisfeito. Estou satisfeito... já nesta ideia de “deixa lá ver se começo a fazer uns caminhos fora de estrada”. Mas há motas por aí fantásticas neste universo das cafe racers. E no primeiro episódio do “Estrada fora” tivemos a oportunidade de andar com uma BMW R nine T toda cheia de kits Roland Sands e é bem giro.
LiAM - Falemos do “Estrada fora”. Como é que surge essa ideia, e daí até à concretização?
JH - Olha, acho que foi um feliz encontro. Isto partiu da Bridgestone... eles chamaram-me para uma reunião, e porque estão ligados ao Motorcycle-Diaries, a ideia deles era que eu fizesse umas viagens, tirasse umas fotografias e fosse fazendo uploads nessa plataforma. E eu já tinha esta ideia de fazer um programa sobre motas e viagens, portanto havia aqui estes dois interesses e eu desafiei-os: “acho isso interessante, mas se vocês me derem essa oportunidade, gostava de marcar outra reunião e eu apresentava-vos aqui uma coisa”. E pronto, foi o que fiz – gravei um “piloto”, fui para a Arrábida, aqui para uma estrada perto, fiz logo um “piloto” daquilo que seria um primeiro episódio e apresentei-lhe na reunião seguinte. A partir daí começámos então a discutir como é que iríamos fazer, qual seria o conceito, até chegarmos ao “Estrada Fora”.
LiAM - E como está a ser essa experiência para ti? Vocês saem sempre de Lisboa, certo?
JH - Sim, saímos sempre de Lisboa. A equipa é muito reduzida. Durante as filmagens, na viagem, somos sempre três pessoas. Na primeira vez eu fui na mota e eles iam numa carrinha, e agora, esta última vez, já reformulámos isto. Alugámos uma carrinha maior e já metemos a mota dentro da carrinha. Porquê? O que é que acontecia? Eu ia cá atrás e eles iam a combinar imensas coisas e eu ficava de fora. Depois parávamos e eles começavam a dizer que íamos fazer isto ou aquilo. Foi então que percebemos que seria muito mais fácil em termos de comunicação se eu fosse com eles para irmos decidindo todas essas coisas. Então a mota passou a ir dentro da carrinha.
LiAM – Em termos técnicos, nota-se imensa qualidade e até que trabalham com recurso a bom material. Usam drones e tudo!
JH – Sim, e já perdemos um! Bom, não o perdemos totalmente porque depois lá o conseguimos encontrar, mas perdemos três horas à procura do drone. Mas sim, apesar de ser uma estrutura pequena, estamos bem equipados. Desde o início que eu disse ao André Bettencourt, da Bridgestone, que íamos fazer isto com um orçamento pequeno, com uma equipa pequena, mas não íamos fazer um sub-produto. A ideia sempre foi fazer uma coisa que tanto podia ter sido feita aqui em Portugal como lá fora. E isso acho que se vê. E este último terá sido, dos três, o mais afinado. A ideia também é que, apesar de serem só três minutos, acabe por parecer muito melhor do que aquilo que está envolvido. Mas claro que há sempre coisas para afinar!
LiAM – E qual é a ideia agora?
JH – A ideia é fazer seis episódios, sendo que quatro já estão feitos, e estes dois últimos que faltam vamos colocar os destinos a votação. Vamos ter quatro destinos e será uma votação via facebook que irá definir quais os dois últimos que vão ser gravados. O que para mim é uma coisa um bocadinho assustadora em termos de produção. Não tenho uma estrutura com uma capacidade de reacção tão abrangente assim. De repente, se o destino for difícil... bom, vamos ver! O intervalo até aqui tem sido sempre de três semanas e aí vamos dar um intervalo maior, pelo menos mais duas semanas, a ver se consigo preparar tudo.
LiAM – Quanto tempo demoram nas filmagens, tipicamente?
JH – Nós estamos a gravar um episódio em três dias.
LiAM – Sim, imaginamos que implique muitas paragens e recomeços.
JH – É a tal coisa, toda a gente diz “epá, que fixe, andas a passear e qualquer dia vou contigo!”. Não, a maior parte do tempo é a fazer “piscinas” para a frente e para trás, parar aqui, ver se dá para filmar. Tem cabos, não dá. Arranca outra vez. Está vento, não dá para levantar o drone, temos de voltar amanhã. Enfim!
LiAM – Mas deu para sentir alguns daqueles lugares, em termos de condução de mota? Qual é a estrada que recomendas mais?
JH – Sim, sim. A estrada que eu recomendo mais? A do terceiro episódio, a de Montesinho. Eu não a conhecia e a estrada está em bom estado. O alcatrão está em bom estado. E depois, efectivamente, não tem movimento. É uma estrada que podes ir fazer muito descontraidamente. Não é por exemplo como a Nacional 222, que fomos fazer agora – já estou aqui a revelar o que aí vem, e se calhar não devia (risos).
LiAM – A mítica N222?
JH – Sim, é mítica e tinha de fazer. Mas tem imensa gente, imenso movimento, e não foi um passeio que eu tenha adorado.
LiAM – Mas também depende dos dias, se é dia de semana ou não, da altura do ano. Não?
JH – Exactamente, se fores durante a semana e não apanhares muito movimento, terás com certeza uma experiência completamente diferente. Claro que sim. E se o teu intuito não for gravar, também é diferente. Porque depois ali, nós nunca queremos ter outros veículos a cruzar, pelo que temos de estar ali à espera.
LiAM – E com as pessoas, como é que foi? Vocês conseguem ter essa interacção com as pessoas com quem acabam por se cruzar?
JH – Sim. Nós, por uma questão de produção, é tudo em voz off, não gravamos áudio, mas sim. É super engraçado porque as pessoas são muito disponíveis. Aconteceu, já não sei em que episódio – acho que foi no segundo – em que ficámos a dormir num sítio onde tínhamos ainda de fazer 20 minutos de fora de estrada para lá chegar. E a mota ficava toda suja. Então foi engraçado, parámos lá num sítio e o senhor aparece com uma mangueira a dizer que não havia problema, que ele ajudava. E isso é muito giro. O que até é normal, quando sais de um grande centro urbano, as pessoas têm outra disponibilidade, e outro tempo até.
LiAM – E a escolha das motas, é vossa?
JH – Sim, de início, quando estávamos a falar nisso, eu achei que seria melhor não termos só uma marca associada ao programa. Portanto, tenho feito eu o contacto com as marcas e a ideia é ter uma marca diferente em cada episódio.
LiAM – Muito bem. Falemos agora do Lisbon Motorcycle Film Fest Como é que isto surge?
JH – O Festival aparece no seguimento de uma conversa entre mim e o Manuel Portugal. O Manel falou-me disso, que poderia ser engraçado fazer um festival e tal. E eu achei que realmente podia ser engraçado e disse “então vamos fazer nós. Vamos tentar.” E assim foi. O primeiro passo foi arranjar um espaço. Marcámos uma reunião aqui no São Jorge, onde nos mostraram disponibilidade. Só tinham um fim de semana disponível, nós fizemos logo a pré-reserva sem sabermos se íamos ter filmes ou não. A partir daí foi trabalhar para conseguir os filmes. Hoje em dia, com a internet, as coisas tornam-se muito mais fáceis. Eu contactei a maior parte das pessoas pelo facebook ou pelo Vimeo e pronto!
LiAM – O critério na escolha foi vosso, obviamente. São vocês os “curadores”.
JH – Sim andámos a pesquisar e perdemos algumas horas a ver do que gostávamos ou não. O que podia ou não ficar. E a partir daí foi contactar as pessoas, pedir as autorizações, que têm ser entregues para podermos exibir os filmes. Depois de muitos mails trocados conseguimos pôr o festival de pé. Depois foi preciso arranjar marcas para patrocinar o festival porque às tantas pensámos “agora era giro trazer os realizadores ou os produtores e fazer umas conversas com eles”. E dinheiro para isso? Lá fomos à procura de marcas e conseguimos montar tudo no ano passado. Este ano estamos a tentar repetir a dose. O desafio no ano passado era provar que conseguíamos – está feito. Este ano é provar que conseguimos ter mais gente e mais filmes.
LiAM – É isso que esta edição terá? Mais filmes?
JH – Sim, temos o dobro dos filmes em relação ao ano passado. Havia outra meta, que estabelecemos no ano passado, que era ter mais produção nacional – no ano passado tivemos só dois filmes portugueses e este ano já vamos ter quatro. E é ter mais pessoas a assistir, que isso é aquela incógnita que vamos se conseguimos ou não. Mas vamos tentar.
LiAM – Já perceberam quem é que vem assistir aos filmes? São só pessoas ligadas às motas, só pessoas ligadas ao cinema?
JH – A maior parte são ligados às motas, mas tivemos pessoas ligadas ao cinema, e pessoas que vieram ver os festivais todos. E houve conversas muito engraçadas, de pessoas que vieram ter connosco e que diziam não estar nada à espera desta qualidade de filmes.
LiAM – E dentro das motas, que há o segmento do segmento, do segmento. Vocês sentem que é transversal, que vem toda a gente que gosta de motas?
JH – Vem mais o que está agora na moda. As cafe racers... é mais por aí. Sem dúvida. Embora também aparecesse pessoal de outros estilos, era mais residual.
LiAM – Em relação aos filmes: de que tipo de filmes é que estamos a falar? Quais são os vossos critérios?
JH – No ano passado, apesar de ter sido o primeiro ano tivemos um cartaz muito engraçado. Portanto tivemos aqui esta questão para resolver: o que é que mudávamos? No ano passado tivemos escolhas mais ligadas com a velocidade. Tivemos vários filmes sobre Salt Lake, os recordes de velocidade... Tivemos depois no domingo o dia do “On any Sunday”, onde passámos os dois filmes, e tivemos cá o realizador do segundo, filho do realizador do primeiro. Portanto, era tudo muito ligado à competição, e este ano vamos ter uma coisa mais diversificada. Vamos começar com o “21 Days Under the Sun”, uma roadtrip americana, depois vamos ter o “Dream Racer”, no último dia, sobre o Paris Dakar – isto as “longas” – e vamos ter o “Somewhere Else Tomorrow”, que é o do Daniel, que decidiu fazer uma volta ao mundo com um amigo e logo no início o amigo desiste e ele fica sozinho, mas continua a fazer, e a trabalhar para arranjar dinheiro para continuar a viajar. Sempre a filmar.
Portanto, esta edição tem coisas mais diversificadas do que a do ano passado. E depois temos as “curtas”, e aí sim há muita coisa. E a ideia é mesmo essa. Tanto temos documentários sobre fabricantes de motas, como a Royal Enfield, como temos uma rapariga que transformou uma Harley Davidson na garagem e filmou o processo todo. Temos várias coisas. Aponta muito para documentários – a maioria – embora este ano também vamos ter uma ficção, que é um filme italiano que está a ser restaurado, ainda não sabemos se vamos estrear o “restauro” ou se vamos passar o filme antigo.
LiAM – E português, o que vão ter?
JH – Vamos ter o Tino. No ano passado, depois do Festival, fizemos uma apresentação lá em cima, no Centro Comercial, e ele foi lá falar das viagens dele e mostrar uns vídeos que tem, e nós depois lançámos-lhe o desafio para ele compilar aquilo e fazer um filme. Portanto, nós ainda não vimos o que vem... (risos) mas sabemos que ele vai estrear aqui o filme dele. Para além disso, vamos ter outro filme que também nos chegou pela net, alguém que nos mandou uma mensagem a dizer “temos este filme e tal”, que também ainda só vimos uns excertos, mas como a nossa vontade aqui é incentivar a malta a fazer coisas, acabamos por dizer “acabem lá isso até ao Festival que nós passamos isso”.
No ano passado tivemos um de Salt Lake, de um casal muito engraçado, que este ano disseram que queria apresentar outro. Também ainda não vimos o filme! Portanto são três filmes que ainda não vi! (risos)
LiAM – E o “Estrada Fora”, vai passar?
JH – Vamos passar, sim. E vamos ter umas conversas. Ainda não decidimos se vamos passar só o último ou se passamos os quatro de enfiada. Tenho de ver ainda com o André, da Bridgestone, o que eles acham mais interessante.
LiAM – Como funcionam essas conversas?
JH – Temos sempre a apresentação do filme, e perguntas e respostas no final. Para além disso, temos outros eventos que se passam na sala 2, neste caso a apresentação de uma web serie sobre viagens de mota, o lançamento de um livro... temos sempre uma mesa redonda com todos os convidados, com perguntas e respostas... e basicamente é assim que funcionam as conversas. É engraçado porque é um momento muito informal.
LiAM – Vamos falar de datas e de programa. Como é que as coisas vão funcionar?
JH – São três dias: sexta, sábado e domingo. A abertura é na sexta à noite e o encerramento é no domingo. A actividade centra-se sempre no São Jorge, mas temos sempre no final uma festa fora, e este ano estamos a tentar um passeio de mota até ao local da festa, que ainda não está definido. Sendo que no domingo é dia de moto GP, vamos fazer aqui uma sessão, com o apoio da SporTV, no ecrã gigante para tentar fazer uma onda de apoio ao Miguel. A entrada, para isso, será gratuita. Todas as outras actividades/sessões funcionam com um bilhete diário. Pagas 5€ e tens um bilhete para um dia e entras em tudo nesse dia. Por 12€ tens acesso livre aos três dias de festival.
LiAM – Está barato!
JH – A ideia é que seja barato, para que não haja a desculpa do “isso é uma coisa elitista”.
E é isto, meus senhores. Não há desculpas, só uma oportunidade de juntar duas paixões. Motas e cinema. Apareçam!