De paixão em paixão
Certamente vêm ao engano. Este texto não é sobre paixões e paixonetas amorosas. Pelo menos entre seres humanos. Este texto é sobre aquilo que nos move, que nos faz correr, que nos faz pesquisar. Com que nos apaixonamos. Por um certo tempo ou para a vida.
Comigo tem sido assim, várias paixões ao longo dos tempos. Nunca as abandono, vou sempre acrescentando. Tirando a estúpida comparação, sempre li que os homens do Renascimento eram aqueles que faziam várias coisas muito bem: música, literatura, invenções. Tudo ao mesmo tempo. Curiosamente, e sobretudo depois da revolução industrial os homens (e as mulheres, claro) ficaram cingidos a uma profissão. Às vezes passada de pais para filhos. Quem era professor seria, quase naturalmente, pai de professores. E a questão nem é essa, é que, no caso dos professores, advogados, jornalistas ou demais, passaram a ser isso e nada mais.
Hoje em dia até nos espanta quando sabemos que alguém que é (re)conhecido faz outras coisas. Um médico que também produz cerveja e tem uma marca dele, um engenheiro que aos fins-de-semana corre o país com a sua banda, etc. Mas este texto não é sobre hobbies, palavra estranha essa. Mas sim sobre paixões.
Pessoas - homens ou mulheres - que têm mais de que um interesse na vida. E não estou a falar de ver séries no sofá (sou grande adepto) mas de outros assuntos, que não seja os profissionais, que gostemos de pesquisar. Conto-vos na primeira pessoa, algumas das minhas paixões - sou assim desde puto. Desse tempo só recordo o discurso de uma namorada da altura da faculdade que ao ver-me desistir de uma coisa que me apaixonava disse, de dedo em riste: “nunca acabas nada que começas”. Nunca esqueci, sobretudo porque não concordar. O mundo tem tanto interesse, porquê cingir-me apenas a um?
Ora, também por essa altura apaixonei-me pela política. Inscrevi-me numa juventude partidária - não vou aqui dizer para não tomarem vocês partido. Li sobre a história da política, participei em campanhas, falei com políticos com experiência. Pensei para mim que, a par do meu futuro como criativo de publicidade (coisa para a qual tinha estudado e pesquisado muito) poderia investir na política a loooongo prazo. Como o futuro me trocou as voltas e levou-me para o jornalismo, desisti da política. Curiosamente nunca me apaixonei pelo jornalismo. Mas sim pelo poder de contar histórias e de escrever. Mas isso é outra história, já lá vão quase 20 anos.
Mais tarde apaixonei-me por um país. De tal forma que fui viver para lá. Dois anos bem vividos, sugados até ao tutano e que me mudaram. Aprendi a língua, o mínimo, claro, estudei a sua história e dava por mim a discutir com os nativos - em inglês - sobre problemas da sociedade. Ainda hoje ouvir o nome do país me faz sentir como se fosse meu.
Mais tarde foi a corrida. Sempre gostei de correr, lembro das primeiras tentativas por volta de 2001 ali para os lados do Estádio Universitário. Mas, anos mais tarde, por volta de 2012 apaixonei-me a sério. A certa altura decidi criar um blogue e passei a respirar (até demais) a corrida. Ainda hoje corro mas com menos paixão. As lesões e a falta de tempo refrearam o espírito. Mas houve uma altura em que poucos percebiam tanto como eu da teoria da corrida, especialmente do trail running, da forma como nasceu e dos nomes dos campeões norte-americanos.
Quando lesionado tentava apaixonar-me por outras modalidades. Tentei o CrossFit, mas não obrigado. Tentei o Paddle, que é giro, mas só isso. É a corrida que continua a fazer-me suar. Literalmente.
Depois vieram as motos. Apaixonei-me pela liberdade que tinha em cima de duas rodas. Vir para casa de moto depois de dias de stress era uma excelente terapia. Passava os dias e as noites a ver vídeos sobre lançamentos de novos modelos, sobre técnicas de condução. Até que levei com um carro em cima, parti uma perna e decidi deixar andar de moto. A paixão ainda cá está, sobretudo no verão. Mas decidi que não voltaria à estrada, pelos meus filhos, que sofreram ao ver-me no hospital com uma perna muito mal tratada. Isso e as dores que atingiram níveis que não sabia que existiam para um ser humano. Continuo apaixonado e às vezes sonho que estou a conduzir motos. Mas agora, só nos outros. Não tem mal. Tenho carta e em caso de emergência sei saltar para cima de uma e fazer-me à estrada.
Mais recentemente apaixonei-me por uma coisa que sempre gostei mas nunca tive coragem de o fazer: cozinhar. Sabia fazer mal três pratos, mas que na vida de solteiro renderam muitos jantares com sobremesa feliz. Mas hoje é diferente. Depois de anos e anos a ver a 24 Kitchen, de ver os Master Chef e os Pesadelos da Cozinha e até mesmo de entrevistar profissionalmente alguns dos melhores chefs nacionais e internacionais, decidi começar a cozinhar.
E o prazer que me está a dar, nem vos conto. Cortar legumes e carne, sentir o calor do fogão, etc. Todo um ritual que acaba em servir quem gosto com um sentido de missão cumprida. E depois, é das melhores formas de stressar. Quando estou ali só penso naquilo. Já estou a ler sobre cozinha, a seguir os chefs de que gosto, a tentar fazer bem tudo o que faço. Com muita humildade e vontade de aprender. Onde me levará isto? Certamente a fazer mais uma coisa de que gosto e esta, sobretudo esta, é altruísta, os outros também ganham com este meu novo prazer.
E digo-vos já, venham outros. A vida é curta, só uma e é um desperdício sabermos fazer poucas coisas. Não acham?