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Like A Man

24 de Setembro, 2018

Corrida do Tejo: quando a cabeça nos trai

Filipe Gil

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Aqui há uns anos, mais ou menos por 2001/2002 comecei a ganhar uns quilos extra. No início nem notei, até que um comentário de alguém que a memória apagou despertou-me para a nova realidade: «Sim, tu, como és gordinho...», disse esse alguém. Gordo, eu? Como é possível se era daqueles tinha vergonha de ir para a praia por ser tão magro ? E que nem tinha rabo para as calças de ganga, nem as 501 me ficavam bem..... Agora era gordo. Aliás «gordinho», que ainda mete mais dó!!??

 

A solução foi ir para o ginásio. O que não resultou. Estar fechado numa sala a fazer máquinas nunca me atraiu. E eis que decidi começar correr. Porque era barato e porque nunca o tinha feito, a não ser em jeito de pré-aquecimento para outros desportos ou com uma bola à frente. Decidi investigar quais as melhores sapatilhas, escolher os melhores percursos, etc. Comecei a correr no meio da rua como via fazerem num anuncio da Apple + Nike. A coisa resultou, apesar de muito gente ficar a olhar para mim a pensar: «Por favor, arranja um parque ou um jardim para fazer isso».

 

Nunca corri nada de especial mas fui ficando um pouco mais tonificado. Eis que a minha vida dá uma reviravolta e emigro para a Holanda. Os primeiros meses a esquemática foi a mesma: correr uma duas vezes por semana, cerca de meia-hora o que, claro, é bom para a saúde mas não aquece nem arrefece em matéria de perder gordura – tendo em conta que não fechava a boca para os doces dos Países Baixos. Depois com mudança de cidade de Delft para Amesterdão passei a fazer cerca de 14 quilómetros diários de bicicleta para o emprego (ida e volta). E isso bastou para me colocar em forma, sem barriga pela primeira vez em três ou quatro anos. Estava de volta!!! E desisti de correr. Lembro-me que em ano e meio corri uma vez, cerca de 4 quilómetros nas docas da cidade holandesa. A meio achei aquilo uma estupidez e voltei para casa. 

 

Regressado a Portugal, e passados uns tempos depois de me estrear na paternidade comecei a correr. Influenciado pelo amigo Bruno Andrade. Comecei a correr e a escrever. E a escrever e a correr. Com isso criei, com ajuda de amigos, um blogue: Correr na Cidade – que hoje é ainda um dos principais espaços onde se fala de corrida amadora no país. 

 

E aqui há dois anos decidi sair do blogue que também é um grupo de corrida ao qual demos o nome pomposo de running crew. Alegrias, companheirismo, metas alcançadas, sempre a subir. Até que a partir de um determinado ponto foram muitas desilusões, muitas frustrações, muitas lesões, muita pressão para fazer uma coisa que deixou de me dar prazer – ou que eu deixei que me retirassem o prazer da coisa (ainda não percebi) – e saí do blogue, mantive a grande amizade com o resto dos elementos e hoje encontramo-nos para fazer várias coisas nas nossas vidas. E com o João [Coelho] criei este Like a Man.

 

Mas o bichinho da corrida foi ficando. Depois de quase um ano lesionado, voltei a correr, a ganhar algum ritmo. A ter prazer a correr. Eis senão quando, tau!, Acidente de mota, fémur partido, estaca de titanium no osso para sempre e uns 6 meses no estaleiro de muletas. E depois voltei a correr. Mas nunca, nunca mais foi a mesma coisa. Ora porque sentia impressão na perna (atenção, os médicos mandaram-me correr pelo menos duas vezes por semana para manter os músculos da perna em forma e não ter dores). Mas o prazer foi-se. A maior parte da vezes chego ao fim de dois quilómetros e começo a andar...e a pensar porque estou a fazer aquilo.

 

Como sou teimoso, e com a aproximação da Corrida do Tejo, a New Balance lançou-nos o desafio: irmos, no Like A Man, correr a prova. O João já o tinha feito no ano passado e dispensou, o André que não gosta de correr disse logo que não. Eu aceitei. Convenci a senhora lá de casa a acompanhar-me e lá comecei a preparação... quer dizer, a tentativa de preparação.Treinos erráticos. Corria e parava. Parava e voltava a correr. Sem prazer, sem gostar. Irritado. Mas continuava a meter na cabeça que apesar de estar fora de forma iria fazer aquela que considero a melhor prova de 10K em Portugal.


A New Balance ofereceu umas sapatilhas brutais para fazermos a prova. Nota 10, como dizem os amigos brasileiros. Mas nota menos10 aqui para o suposto corredor. Notei que as coisas iriam ser difíceis, não tanto pela forma física que já está bem melhor, mas porque tudo na corrida me começou a irritar – caro corredor, se ainda está a ler esta post, a culpa daqui para a frente não é sua, é mesmo minha. Não leve a peito. 


Irrita-me o «bando» da corrida, irrita-me as expressões usadas, aquela falsa ideia de que o mundo da corrida é tudo amigo e dá-se todo bem só porque suamos juntos. Aqueles avisos simpáticos de que há uma pedra, um buraco, um obstáculo, que é para virar à direita ou à esquerda. Ou que faltam apenas 5 quilómetros para o final!!! Tudo isso me soou igual ao rasgar de um vinil por uma agulha de diamante. Tudo isto me pareceu parvo... Apesar de não o ser. E de, pasmem-se, eu já fiz parte desse bando – e com muito orgulho.


Nesses dois treinos que fiz com a organização da Corrida do Tejo (e que aconselho a participarem nos próximos anos se forem à Corrida do Tejo) irritei-me com as conversas dos parceiros que treinavam ao meu lado. Só falavam de corrida e mais corrida, da sapatilha X ou Y, do calção que viram na Decathlon, da prova que vai acontecer em «Catrapumba de Baixo» e que o Tó Mané já ganhou, dos buffs enfiados na cabeça tipo preservativo, etc. Como se a corrida fosse o local onde todos os homens e as mulheres são bons e se preocupam com o próximo. A terra prometida em calções de lycra. Nããã...


Com este tipo de irritação na cabeça, percebi que a coisa ia correr mal na prova. Meu dito, meu feito. Eu disse que sou um gajo teimoso!!! E apesar do ambiente da prova estar fantástico da assistência estar ao rubro – nunca vi tanta gente a aplaudir -, da paisagem ser  maravilhosa, perdi qualquer réstia de prazer na prova a partir do km 3. Acabou ali. O resto foi arrastar o ego que deixou de existir até à praia de Carcavelos. Não tivesse eu gente à minha espera na meta e ali, ainda antes de Paço D'Arcos, tinha voltado para trás.

 

Nada  de prazer. E desta vez irritei-me comigo próprio e deixei de embirrar, momentaneamente, com o pessoal da corrida. Irritou-me a minha fraqueza psicológica. De vez em quando ainda pensava: «corre gordo que assim ficas mais magro»; mas logo era assaltado pela ideia: «vou deixar de correr, vou deixar de participar em provas, isto não é para mim, onde é que está o prazer nisto???».

 

Com tudo isto a borbulhar na cabeça como se fosse uma pastilha de Gurosan, fiz o pior tempo que alguma vez fiz numa prova de 10K: 1h05m - e que ainda seria pior se o Tiago Portugal não puxasse por mim no último quilómetro.

Terminei a prova, amarrei o burro, não aceitei a medalha de participação e passadas três garrafas de Gatorade que sorvi, lá me reencontrei comigo mesmo envolvido em 5 litros de suor que não teimavam em parar de me cair pelas costas. Ouvi umas palavras de incentivo e preocupação com os meus amigos que foram fazer a prova, mas tudo me soou como soa a professora do Charlie Brown! E sempre com a mesma ideia: onde está o prazer da corrida?

 

Se era falta de forma? Estou com três quilos a mais, não é por isso. E vi pessoas 20 anos mais velhas do que eu e com uns quilinhos a mais a passarem por mim como se estivessem na Via Verde. Está tudo na cabeça! E, como veem, se deixarmos, prega-nos partidas valentes, como ontem. E tal como há Alibut para as minhas coxas masseradas depois dos 10 km na marginal, devia existir um Alibut para voltar a ter prazer na corrida. Porque já tive e era brutal. 

 

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