Conversa de homens: “O homem deve perceber que o facto de ter “três pernas” não o põe acima, nem ao lado, nem abaixo das mulheres”
É um dos maiores conhecedores das novas formas de trabalhar e socializar. Fernando Mendes, o rosto masculino do Cowork Lisboa é um catalisador de conhecimento e de relações profissionais. Professor de design, hoje em dia vê como está a ser desenhado o espaço de trabalho mas também as relações dos seres que estão no seu espaço de cowork. Falamos de homens e mulheres, claro. Mas também aproveitámos a conversa para falar de motas, algo habitual nestas conversas de homens do LiAM.
As fotos são da autoria de Vitorino Coragem.
É um problema que existe mais nas estruturas das empresas pela natureza da formalidade. Mas sabemos todos os dias que há mulheres que são prejudicadas porque estão grávidas, ou que fazem o mesmo trabalho, ou considera-se que têm menos qualidade naquilo que fazem e não têm capacidade para tal…
É uma questão geracional?
Sim, mas também é uma questão de grupo. Só há essa consequência para as mulheres porque há um grupo de homens, e também de mulheres, que assim o decidem. Isso nos espaços de cowork é diferente uma vez que é ocupado por indivíduos, por dezenas de seres únicos. E não se pense que é uma comunidade, no espaço de cowork cada um é único. Os espaços de cowork são uma muito boa resposta a essa e outras questões.
"A única segurança é saber que temos pouco, que ganhamos pouco e que o Estado pode fazer pouco por nós"
O futuro do trabalho vai passar por esta questão de sermos pessoas únicas a trabalhar projetos temporários? Sim, iremos ser um pouco como bombeiros voluntários. É essa a lógica.
E como isso vai dar segurança?
Não vai. A única segurança é saber que temos pouco, que ganhamos pouco e que o Estado pode fazer pouco por nós. Mas também não queremos mais essa entidade protetora. A partir do momento em que nos dizem que há robotização daquilo que fazíamos, e ao mesmo tempo dizem que há menos dinheiro, com profissões a desaparecer, só sobra a sociedade de lazer que se está a desenhar. A ideia é: trabalhar menos, mas ganhar substancialmente menos, e fazer outras coisas.
Mas ainda vivemos uma grande sociedade de consumo, questões de status até que nos leva a consumir, consumir…
Esse problema ainda não está resolvido. Há gente que cada vez mais consome o artefacto e o serviço ou a experiência. O típico freelancer nómada e que anda a gravitar pelos espaços de cowork em todo o mundo. O dinheiro que tenho como freelance é paras as despesas certas. De resto há coisas que possa fazer em partilha, na alimentação, na formação, na estadia, etc.. É o peer to peer para todos. E isso altera todas as regras. E começam-se a concentrar naquilo que lhe diz muito, por isso temos o crescimento do hobby.
Hoje em dia ser homem português com mais de 40 é mais fácil ou difícil do que anteriormente?
Não sei, nunca tive esta idade (risos). Fazemos tudo para durar mais tempo mas depois impomos um ritmo de vida não compatível com a nossa biologia. São as dietas, as modas do paleo, do biológico, o desporto, a medicina mas depois temos a tecnologia a arrastar-nos para estarmos 24 horas ON! E a nossa biologia precisa que tenhamos tempo para dormir, comer, relacionar com outros, para rir, etc. Mas por mais camadas de tecnologia há coisas imbatíveis. As pessoas usam as redes sociais para se encontrarem e estarem fisicamente. Tenho a sorte de ter este projeto e quando estou na LX Factory e no Cowork não tenho a noção de ter 49 anos. As questões profissionais ou de relacionamento que existem noutros sítios de trabalho desvanecem-se aqui.
"Ou seja, revolução sexual da mulher não aconteceu em Portugal"
E os homens jovens, é mais fácil viver na atualidade?
Li algo do José Gil, o filósofo, que falava sobre emancipação da mulher, no qual indicava que essa mudança, ou revolução, não aconteceu em Portugal. Ou seja, revolução sexual da mulher não aconteceu em Portugal, segundo alguns pensadores portugueses. Deu-se em França, na Inglaterra na Alemanha, mas em Portugal não aconteceu. Talvez pela nossa natureza ou até podemos dizer que não precisamos. Mas para estes pensadores a mulher portuguesa não passou por isso. E os homens portugueses precisam desesperadamente disso. E talvez ainda não tenhamos percebido que temos de fazer essa revolução. Parece-me que o papel da mulher ainda não está completo.
O que pode o homem fazer?
O homem deve perceber que o facto de ter “três pernas” não o põe acima, nem ao lado, nem abaixo das mulheres. Se existe prejuízo para um dos géneros é porque algo não está bem.
Mas achas bem que existam diferenças entre géneros…
Não tenho que achar bem ou mal. Elas existem. Ponto. Tenho que achar algo pelo planeta ser redondo? Não. É assim e ponto!
Que coisas fazes, hoje em dia, como homem, que te dão prazer.
Há coisas que não posso dizer nesta entrevista para não termos de colocar uma bola vermelha...(risos), mas desde miúdo nunca tive aquelas ações típicas de homem. Adorava jogar à bola. Mas também gostava de estar a ver a minha mãe e avó a cozinharem, aliás, mais até do que estar a fazer algumas coisas típicas do mundo masculino. Sempre achei que as conversas das mulheres eram mais interessantes. Eu gosto muito da diferença e da diversidade. E isso começa nos géneros. Assim que há homens e mulheres envolvidos é sempre mais interessante do que seja uma conversa só de mulheres ou só de homens.
"Gosto de produtos nos quais se encontra beleza no feio"
Mas és um homem das motas…
Sim, mas tardio, apenas comecei aos 30 anos. Estava farto das multas de trânsito e decidi andar de mota. E a paixão ficou. O mais interessante é que não me irrito no trânsito quando ando de mota - apesar de termos de estar muito focados e atentos. A tolerância é maior para as palermices do trânsito. Para as minhas e dos outros.
Acho que as marcas de automóveis estão a falhar nos produtos que comercializam em Portugal. Toda a gente sabe que o “pisca” está a mais, dá cabo da bateria. O cinzeiro dentro do carro não é necessário, basta abrir a janela (risos). O português que é um tipo plácido, calmo, assim que se mete dentro do seu carro, que arduamente paga, está no seu território e transfigura-se. Já repararam na reação de um português ao ser ultrapassado quando andar de carro… é incrível. Andar de mota faz-nos sentir algum medo mas também o prazer da fusão entre homem e máquina. Curvamos com a mota… E gosto muito de conduzir à chuva. Porque é mais técnico, mais lento, mais ponderado. Sobretudo se conduzir uma Trail de 1200 cc e que pesa mais de 250 quilos com o depósito cheio.
E ainda há a estética. Como designer nunca me apaixonei pelo design dos carros, a não ser o Smart, que está muito bem pensado. Com as motas há toda uma questão estética. Gosto de produtos nos quais se encontra beleza no feio. Lembro-me das primeiras GS dos anos noventa, as motas eram considerada brutas, feias… mas é um feio que assim se conduz... e não sou patrocinado pela BMW. Mas se quiserem… (risos).
São as motas de trail que mais gostas?
Sim. Mas não comecei com as trail. Na altura não havia a questão de conduzir com carta de automóvel as 125cc. Por isso, comprei uma Kawasaki R5 500CC mas com a potência rebaixada para 34 cavalos. Devo ter sido dos poucos a fazer isso, mas não me arrependo. Depois percebi que o meu corpo não é compatível com certo tipo de motas. Tenho dores nas costas e não resisto muito tempo ao desconforto, até que um dia experimentei uma BMW GS 650. E eu não gostava daquelas motas, mas a verdade é que assim que andei uns quilómetros percebi que nunca mais irei conduzir mais nenhum tipo de motas. Agora tenho uma scooter, mas andava melhor no trânsito com a GS 1200.