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Like A Man

11 de Abril, 2017

Conversa de bar ou de barbeiro? Neste caso, de ambos. Com O Purista!

João NC

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Fomos conhecer O Purista Barbière e acabámos à conversa com Nuno Mendes, proprietário e responsável pelo espaço. Numa conversa à mesa de um bar com vista para a cadeira do barbeiro, falou-se de monges, de hipsters, de homens, de motas, de navalhas e, claro, de cerveja. A ler, senhores.

 

Nuno, como é que nasce O Purista?
Esta foi uma ideia criada pela agência de publicidade Normajean para lançar a cerveja Affligem em Portugal e era um projecto para durar um mês e na altura, no meio de uma série de outros eventos e acontecimentos durante esse mês de lançamento, lançamos o desafio à Sancha Trindade para criar aqui algum conteúdo, convidar algumas pessoas que, de alguma forma, caracterizassem o espírito Purista em vários meios: artesãos, pessoas ligadas à moda, às revistas, à cozinha... uma das entrevistas giríssima foi com um dos curadores do Palácio de Buckingham, que por sorte apanhámos em Lisboa e acabou por ser uma dessas conversas no “Na Cadeira Com” (link), em que a Sancha era a Curadora dessa acção.

 

Então, nessa altura já estavas ligado ao projecto?
Sim, eu faço produção de eventos para a Normajean e quando a agência ganhou esta conta [da Affligem], fez uma proposta que era exactamente isto: O Purista. Com mais uma série de acções complementares, fora do espaço, que entretanto acabaram por não acontecer por uma questão de budget, mas O Purista foi o projecto base do conceito, e que era suposto durar um mês.
Todo o encontrar da loja, a construção... não foi nada fácil. Se hoje em dia é muito mais difícil encontrar espaços disponíveis, há três anos havia uma desconfiança maior em relação a abrir a porta para alguém vir abrir uma loja. Andei aqui três dias no Chiado às voltas a bater em todas as portas a tentar descobrir contactos.

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Mas qual era a ideia inicial? Abriam durante um mês, “activavam” a marca e depois?
Depois a ideia era fechar as portas. Continuavam a haver acções de tasting, de ponto de venda e acções de comunicação, mas já fora deste espaço. Com o mesmo conceito e com a mesma base, mas já fora deste espaço. Mas aquilo correu tão bem, teve tanta adesão que o formato pop up store foi aumentado por três meses para além desse primeiro mês e ao fim desse tempo eu fiz uma proposta à Central de Cervejas, uma vez que para além da parte dos eventos, eu já tinha algum background de hotelaria, de discotecas e de bares, e então disse-lhes “o que é vocês acham? Em vez de fecharmos as portas, eu transformo isto num bar”. Seria algo com oferta “total”, não podia ser só cervejas e águas, teria que ter também cocktails, gins, vinho e tudo mais. Comprometi-me a manter o conceito e propus que a Central de Cervejas se tornasse minha patrocinadora e a coisa funcionou.

 

Continua a haver, portanto, uma ligação. Não exclusiva?
Não existe exclusividade, apenas nos produtos que a Central de Cervejas distribui. Vendemos Affligem, mas também temos Heineken, Sagres Bohemia. Não temos imperial – cerveja de pressão – mas por uma questão de opção. Neste conceito não fazia sentido, mas mantivemos o conceito como foi criado logo desde início, obviamente com algumas alterações ao espaço. No início não estava assim decorado, tinha uma decoração muito mais cuidada, não tinha os lugares sentados.

 

E isto dantes era uma livraria!
Isto era uma livraria. Eu conhecia a livraria de miúdo – a Barateira – e era uma loja que eu adorava. Vinha aqui à Cervejaria Trindade com os meus pais ou com o meu avô e passava aqui e ficava maravilhado com a loja. A arquitectura, os livros, o cheiro que a loja tinha era fantástico. E passei aqui à porta e estava fechada. Foi o acaso. Aliás, foram uma série de acasos. Olhei para a porta à procura de um contacto e a pensar que isto era a loja ideal para criar O Purista. E não havia contactos em lado nenhum. Havia madeiras na janelas e não havia contactos. Nessa altura vejo uma senhora a entrar no prédio – na porta aqui ao lado – e fui ter com ela. Disse que estava interessado na loja e perguntei se ela tinha o contacto do senhorio. Ela deu-me o número de telefone do senhorio e foi assim. Depois, óbvio, tivemos a sorte do senhorio ser alguém com alguma abertura, que até fazia muitos eventos aqui no prédio - tem uma sala onde fazia até casamentos – pelo que ajudou ele ter alguma abertura para este tipo de coisas. O que não é comum. Apresentei-lhe o projecto e ele aceitou logo, depois teve abertura para permitir a passagem de provisório para definitivo e desde aí tem corrido bem, e tem sido um percurso engraçado.

 

E quem é este Purista?
Este Purista são aquelas pessoas que gostam de apreciar as coisas típicas, mais artesanais. Hoje em dia vivemos num mundo cheio de redes sociais, cheio de gadgets, mas há sempre um grupo de pessoas, uma comunidade de pessoas que gosta das coisas vintage, gosta dos sapatos feitos à mão, do alfaiate, da barba feita à navalha...

 

Da essência.
Da essência das coisas, sim. Muito com base na cerveja, que neste caso é uma cerveja produzida há quase mil anos, com breves paragens, já que é uma cerveja belga e, pelo menos nas duas Grandes Guerras Mundiais, teve de parar a sua produção. A Abadia terá sido reconstruida umas cinco ou seis vezes. Mas continua a ser produzida. Agora numa fábrica, mas segundo a receita tradicional, sob a supervisão dos Monges, em que uma parte das receitas da distribuição da cerveja reverte para a Abadia e portanto, todo este lado muito tradicional e artesanal da cerveja – muito purista – é que serve de base a tudo isto. No fundo é a diferença entre beber a imperial com os tremoços ou estar a saborear uma cerveja. Ou comer um bitoque a correr ou sentar-se a comer um bom bife do lombo. A ideia é termos aqui um espaço em que as pessoas entram e deixam as preocupações na porta.

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E achas que isso acontece?
Sim, acho que isso acontece. E até a própria oferta foi aumentado, com os produtos associados à barbearia, com os produtos mais típicos, da Antiga Barbearia do Bairro, uns coletes feitos à mão por um amigo meu, depois os tapetes, a decoração, no fundo tem tudo a ver com este conceito. E até a própria estrutura de funcionamento da barbearia. Se calhar recebo dez ou quinze chamadas por dia de pessoas a dizerem que querem marcar hora. E aqui não existe isso. É à antiga: por ordem de chegada. Exactamente para que as pessoas se sentem, apreciem e relaxem durante um bocado.

 

E horários, como é que as coisas funcionam?
A barbearia fecha mais cedo que o bar por razões óbvias. Álcool e navalhas não combinam muito bem! (risos) O bar funciona de terça a quinta das 10h30 às 02h, sextas e sábados, das 10h30 às 3h, e ao domingo das 15h às 21h. À segunda-feira estamos fechados. A barbearia funciona sempre das 10h30 da 22h30, excepto ao domingo em que o horário é o mesmo do bar.

 

E os estrangeiros? Imagino que por aqui tenham muitos turistas como clientes. Como é que vêem o conceito? Sentes que olham de uma forma especial ou é muito igual aos portugueses?
Os estrangeiros ficam mais admirados. De início os portugueses ficam mais... “mas o que é isto?” – era uma coisa que eu ouvia muito ali à porta. “Mas agora vamos beber um copo a uma barberia?”, “vou cortar o cabelo a um bar?”. Mas depois habituaram-se e é um conceito que tem vindo a entranhar-se nas pessoas. Inclusivamente com a abertura de outros espaços, de barbearias antigas, não exactamente com este conceito...

 

Aqui as senhoras podem entrar!
Podem, claro. Aliás, se não pudessem entrar, este era um bar que não tinha piada nenhuma! Mas a grande diferença d’O Purista para outras barbearias que têm aberto com decorações fenomenais, é que O Purista é um bar com barbearia. Os outros espaços que têm aberto são barbearias que depois têm um bar, onde dão um “miminho” aos clientes. Não são bares com serviço completo e essa é, se calhar, a grande diferença.

 

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Mas tem piada que vocês têm juntaram duas coisas que representam um pouco aquele ritual de sentar, relaxar e desabafar um pouco. Aposto que ouvem-se aqui muitas histórias.
A ideia disto era exactamente essa, de criar uma espécie de “Gentlemen’s Club”, com um serviço acrescido que era a barbearia. Um “Gentlemen’s Club” à inglesa, com os sofás, com o snooker, com o whisky no balão, com a possibilidade de fumar um charuto... E com uma barbearia que fazia parte da experiência, deste “plus” d’O Purista. E é muito essa a lógica: de entrar, de relaxar. No fundo é um outro mind set, uma outra atitude.

 

E nestes três anos, qual é o balanço que fazem? Não apenas no negócio, mas em toda essa mudança de mentalidades. Temos vindo a assistir a um onda revivalista, da qual vocês fazem também parte. Notam muito isso?
Notamos, sim. Isto, por exemplo, para os turistas é uma coisa que nunca viram. Ficam sempre a olhar para as paredes e para todo o lado... para além de que isto tem essa “mística”, de ser uma das salas do antigo Convento da Trindade e de ter estas pedras, estas paredes e estes arcos, que lhe dão uma imagem muito forte.


E acontece muito as pessoas tirarem fotografias, não?
Acontece muito entrarem só para tirarem fotografias. E tirarem fotografias depois de fazerem a barba ou de beberem um copo. Acontece muito. Os portugueses já se habituaram a este conceito, que já entrou na rotina das pessoas de Lisboa. Já é um lugar onde vêm com alguma regularidade para beber um copo.Esta onda de revivalismo é uma onda que tem vindo a crescer bastante, nota-se na atitude das pessoas, nota-se na forma de vestir, nota-se nos cortes de cabelo, nas barbas nos bigodes, nos veículos que trazem, nas motas. Sobretudo nas motas! É uma cultura muito hipster que tem vindo a crescer.
Eu ando de mota desde sempre e sempre fui a muitas concentrações. A diferença que existe nas concentrações que têm vindo a acontecer é enorme. Enorme. Deixou de ser aquelas coisa dos “Feios, Porcos e Maus”, todos rasgados e todos sujos, para vermos o pessoal com as motas todas limpinhas, todas bonitas, e todos muito bem vestidos. Essa alteração da cultura foi muito engraçada.

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E onde é que se enquadram aqui as mulheres? Já percebemos que são bem-vindas – óbvio! – mas por exemplo não podem cortar o cabelo. Elas vêem isso como algo normal, não?
Sim, normal. Há muitas que aproveitam para vir com os maridos, com os namorados, para oferecer um corte de cabelo e uma cerveja. Depois, é óbvio que não é um serviço que prestemos – o corte de cabelo a senhoras – mas já houve três ou quatro que se aventuraram. Temos uma cliente fixa que vem cá sempre porque gosta de ter o cabelo rapado e fazer desenhos à navalha e no cabeleireiro não fazem.

 

Presumo que vocês tenham muitos clientes fiéis, porque isto de confiar o cabelo a alguém é complicado.
Sim, temos. Foi um percurso que demorou algum tempo a fazer, claro. Eu próprio, que toda a vida ia ao mesmo barbeiro – morando em Lisboa ia sempre ao mesmo barbeiro em Sesimbra, e ia lá só para cortar o cabelo e fazer a barba. Ainda por cima, podia dizer-se que o meu corte de cabelo era esquisito e ele é que tinha jeito, mas não. Sou careca desde os 17 anos e rapo a cabeça à máquina dois desde essa altura. Mas ia lá sempre! Porque era uma experiência. Fazia parte da minha rotina. Chegava lá, sentava-me à espera da minha vez, cortava o cabelo, fazia barba, conversava, sabia as novidades da vila, conversava com os pescadores que estavam ali ao lado, com o barbeiro. E depois saía, ia até à beira-mar, almoçava um peixinho grelhado e depois voltava para Lisboa. E no meio disto tudo era um dia, mas era o meu dia de escape.
O nosso percurso aqui foi um percurso que demorou algum tempo até cativar os clientes, fazê-los experimentar, fazê-los mudar. Isto de fazer um homem mudar de barbeiro, eu acho que ainda é mais difícil do que fazer uma mulher mudar de cabeleireiro. Acho que é muito mais difícil.
E o percurso foi-se fazendo devagarinho. Começámos a funcionar só com um barbeiro, só à tarde, depois veio outro barbeiro e estavam os dois ao mesmo tempo, mas só à tarde. Depois começámos a abrir a barbearia também de manhã e o negócio foi crescendo a pouco e pouco.

 

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E como é que vêm os próximos tempos? Já percebi que agora têm noites temáticas, com Dj.
Sim, temos DJ às quintas, sextas e sábados. Fazemos algumas vezes noites temáticas, com música específica para essas noites, com decoração para essas noites – eventualmente – depende do tema. O futuro vejo O Purista a transformar-se na sala de estar de cada vez mais pessoas. Quando me propus a ficar com o negócio, e esta já era uma vontade que tinha há algum tempo, de ter o meu negócio, o meu bar, a ideia era criar o meu “Cheers”. Quis transformá-lo um bocadinho à minha imagem, e transformar isto na sala de estar das pessoas, que venham e que gostem de estar aqui.

 

O que está a acontecer!
Sim, felizmente, temos bastantes clientes fiéis. Acontece muito os turistas que vêm uma vez a Lisboa, se voltam, vêm cá visitar na mesma, e falam aos amigos... Mas é engraçado ver os turistas a voltarem ao fim de seis meses, e a chegarem e... lá está. Eu estou cá todas as noites, saio do trabalho e venho para aqui e é bom vê-los voltar.

 

E esta é mesmo a tua sala de estar!
Exacto! (risos)

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