Amplificador de bolso
Vivemos uma época estranha. Óptima em inúmeros sentidos, mas estranha em alguns outros. Reparem: hoje em dia quase todos temos um smartphone no bolso. Mais do que um telemóvel, é um pequeno computador que serve para tirar fotografias, ver emails, aceder às redes sociais e até para fazer chamadas. Onde quer que estejamos - e a cobertura de rede não nos falhe - podemos fazê-lo. Fantástico, não?
A questão (a minha) é que, na mesma proporção que nos aproxima de quem está longe, este é um aparelho que pode também afastar-nos de quem está perto. Muito por força de uma alienação a que quase todos parecemos condenados, sempre que estamos com um aparelho destes nas mãos, tal a atenção que lhe dispensamos, em contraste com aquela que as pessoas de carne e osso à nossa volta nos merecem.
Mas mais do que essa capacidade – em potência – de cavar um fosso entre nós e aqueles que nos rodeiam, esses aparelhos, porque andam connosco para todo o lado, trazem ao de cima o que há de pior na natureza humana, sempre que os “sintonizamos” nas redes sociais. Somos, atrás do anonimato de um pequeníssimo ecrã, autênticos “heróis”. Façanhudos, mesmo! Pior do que isso, conseguimos ser, à vez (e por vezes em simultâneo): guardiões da moral e bons costumes; críticos diplomados; especialistas em tudo e em coisa nenhuma; génios do comentário da vida alheia. Em suma: vemo-nos como os donos da verdade e esta - a nossa - é sempre absoluta. Pelo caminho, atropelamos, maltratamos e ofendemos quem ousar ter uma opinião dissonante daquilo que é a nossa posição de expert, independentemente da temática ou até de “onde” nos encontramos. Sim, muitas vezes temos ainda a capacidade extra de fazemos tudo isto na página de alguém que, por sinal, nem nos convidou para ali estar.
Aquilo que não faríamos na casa de outrem, fazemos agora despudoradamente, só porque... podemos. A verdade é essa. Estes aparelhinhos que trazemos no bolso permitem-no isso. Estamos na repartição de finanças à espera de vez, com 23 pessoas à nossa frente e já atrasados para o emprego: deixa cá ver o que se passa no facebook. E com a paciência já no red line, acabamos por destilar logo ali o nosso ódio.
Com a agravante de que esta coisa das redes sociais nos oferece a falsa sensação de que “sabemos coisas”. Se dantes comprávamos o Expresso e tínhamos de carregar com 3 quilos de papel para nos sentirmos minimamente informados, agora clicamos no “gosto” na página do Correio da Manhã e já achamos que sabemos coisas. Seguimos a modelo do momento no Instagram e arrogamo-nos o direito de opinar sobre a vida dela, decidindo nós próprios se este ou aquele comportamento da menina são dignos de ali figurarem.
E se há território em que tudo isto é amplificado para dimensões estratosféricas é o mundo do futebol. É inacreditável a rapidez com que se passa de um post aparentemente inócuo, para ofensas nível 10 na "escala Casa dos Segredos". Também por isso, aqui no LiAM temo-nos escusado a falar de futebol. Torcemos por clubes diferentes e um de nós ficou muito contente este fim de semana. Mais do que isto não arrancam de nós. Queremos tudo menos ser os cães do vídeo em baixo. Valentões atrás de um portão, ridículos na ausência do mesmo. Pensem nisso, senhores.