A minha é maior do que a tua?
Ontem publiquei aqui um texto leve e despretensioso sobre as três dicas – muito básicas – para se entrar no, achava eu, maravilhoso mundo das duas rodas. Tão básicas como escolher a mota, comprar o equipamento adequado e praticar, fazendo quilómetros e acumulando horas de prazer a fazer aquilo de que gostamos. Mas não. Aparentemente, e segundo os arautos da “essência motard”, nada disso é permitido a alguém que não pertence ao exclusivo lote dos “escolhidos”. Sim, ao que parece não é motard quem quer, mas quem foi designado para tal. No bate-boca que se instalou nos grupos dedicados ao tema, juro que li algures que “já se nasce motard”! Os outros, se quiserem, podem eventualmente vir a tornar-se “motociclistas”. Pelos vistos são coisas bem diferentes – outra coisa que aprendi sobre este mundo é que a semântica é um tema muito sensível. Quem diria que a malta das motas (posso dizer assim?) teria uma sensibilidade tão grande para com a escolha das palavras?
Bom, mas então quais são os requisitos necessários para pertencer a este exclusivo lote? Ter tido um pai motard e/ou andar de mota desde tenra idade, dizem alguns. Conduzir em qualquer condição meteorológica, seja um calor de ananases, seja um temporal de dimensões bíblicas, dizem outros. Ser um apaixonado por motas, ao ponto de viver e respirar motas, defendem os mais sensitivos. Usar (sempre?) capacete integral e roupa com protecções parece ser outra das condições. Ir para o Autódromo conduzir com 40 graus de temperatura também foi outra das sugestões para que, aí sim, nos possamos sentir verdadeiros motards.
Um tipo (ou uma mulher, benzadeus) entre os vinte e os trinta anos que decida trocar o carro pela mota, não só devia ser impedido de o fazer por lei (por uma espécie de polícia da essência motard, quem sabe), como é imediatamente brindado com uma (ou mais) destas pérolas:
- É um totó que só vai estorvar os verdadeiros motards;
- É um dandy que só se mete nisto pela moda (“motard gourmet” foi uma expressão que aprendi neste processo e vai-me deixar sempre com um sorriso nos lábios);
- Só porque têm dinheiro já se acham motards;
- Nunca passará de um motário;
- Perdoa-lhes senhor, grande líder dos motards, que eles não sabem o que fazem;
- À primeira queda vais para casa com o rabinho (esfolado) entre as pernas.
Conclusão:
O mundo das duas rodas é, de facto, maravilhoso. Sobretudo se nos conseguirmos manter afastados destes preconceitos arrogantes de quem acha que só porque “chegou primeiro” é melhor do que os outros. Saibamos nós dar à semântica a importância devida - sempre relativa - e respeitar os demais utentes da estrada (em duas, quatro ou oito rodas), e seremos os melhores motards/motociclistas/gajos que gostam de andar de mota. Tudo o resto é como comparar tamanhos de pilas, coisa que me habituei a não fazer desde pequeno. Mas, lá está, isso sou eu que se calhar estou satisfeito com o tamanho da minha... mota.
Boas curvas, meus senhores!