Saudades do senhor José
O senhor José era um homem educado, muito correto. Até as poucas fotos que vi, de quando era novo, transpareciam isso. Isso e muito mais. Um presença que, tenho a certeza, não deixava nenhuma mulher indiferente.
Uma vez vi o senhor José a meter na ordem alguém que tinha feito comentários racistas. Fiquei a admirá-lo mais.
Era sportinguista. Tinha sempre com ele um espelho pequeno, com o qual se penteava, no verso do qual figurava um jogador vestido com a camisola verde e branca - a dividida ao meio, a que os sportinguistas chamam de “Stromp”, não as riscas “modernas” do clube de Alvalade. Passou-me a maneira de ver futebol - embora eu tivesse escolhido as cores mais garridas do clube da Luz. Ele sorria. Talvez não gostasse, mas percebia que era isso que me fazia feliz e anuia a minha escolha.
No fim da vida cantou fado e fez peças de teatro. Tinha cuidado com a alimentação. Era ativo. Não estava resignado à velhice.
Casamentos teve dois. Gostava de mulheres. Leonor, a sua primeira, foi a grande paixão que a vida lhe roubou cedo demais. Ela, loira de olhos verdes, e ele com a postura de senhor, faziam as minhas delícias quando os olhava nas fotos a sépia.
Lembro-me dele muitas vezes. Lembro-me quando procuro referências para agir em adversidades. Lembro-me quando bebo o meu whiskey (ele gostava de Johnie Walker, não me esqueço). Quando sentado no sofá, a olhar para os meus filhos e vejo ali gestos dele. E da vontade que às vezes lhe tenho de lhes falar do senhor José, o meu avô.